sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Os bufos, as facturas e o meu pastel de nata

Um bufo é uma bufa com inflexão de género. É certo que, ao contrário da bufa, o bufo não tem necessariamente de ser sorrateiro – há bufaria bastante estridente. Nem, admitamo-lo, tem de ser desagradável aos sentidos – marca distintiva do género da dita. Mas, apesar das pequenas e limitadas diferenças, os paralelismos são quase infinitos. São ambos difíceis de localizar quando o grupo é grande. Os ganhos são limitados – no caso da bufa, o autor é recolector exclusivo dos proveitos, na maioria das vezes com custos para os demais; quando há bufaria, o bem poderá vir para o seu autor, mas também para alguma companhia. Finalmente, e aqui entramos no cerne da questão, que é muito importante para a gente: tanto a bufa como o bufo são injustos. Não pode haver bufa justa, pelo menos quando atirada assim de frente para os outros. E não pode, também, haver bufo justo. 
Não se pode, por isso, misturar esta história dos bufos com a outra, a das facturas. A ideia de ter um inspector ali em frente ao Martinho da Arcada a pedir-me uma factura do pastel de nata que comi aterroriza. Mas não aterroriza por fazer de mim um bufo. Aliás, atendendo à definição acima exposta, eu só poderia ser um bufo se fosse injusta a divulgação da minha informação. Pedir uma factura pelo serviço e apresentá-la não seria, portanto, bufaria. Entra, no limite, no âmbito do controlo justo, não bufo, por assim dizer. 
O problema com os senhores da Autoridade Tributária é outro. O Francisco José Viegas explica-o bem, mas teve a infelicidade (ou felicidade) de falar em cus e já ninguém prestou atenção ao resto. O problema está no facto de a minha factura ter lá informação sobre o meu consumo. E o meu consumo é uma das minhas actividades mais privadas. Exigir-me uma factura do meu pastel de nata é uma intromissão violenta na minha privacidade. O pastel de nata parece singelo, mas imagine-se que, em vez dele, eu comprei um produto para me fazer crescer o cabelo, sendo que não quero que ninguém saiba que há algum problemazinho com o couro cabeludo. Ou imagine-se que comprei pau-de-cabinda, ou uma revista pornográfica. A simples possibilidade de cruzar estas minhas compras com outros eventuais registos é só por si um abuso. Mesmo que, como nos diz a propaganda oficial, combata essa coisa da «economia paralela». A mal da originalidade, economia paralela o caralho.

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